terça-feira, 9 de agosto de 2011

Um corpo que escreve de azul num céu azul

Bom, em cena ela diz que gosta de começar assim. Mas o começo do espetáculo que vi podia ser uma aparição de um super-herói, um bicho estranho, um dragão, uma drag-queen com trejeitos de criança... tudo menos um início singelo.

No espetáculo Pogobol a impressão que me ficou do espaço cênico foi de uma grande lousa em que as ações da performer eram riscos de giz esboçando desenhos que tinham um pacto único: o momento.

Início: a atriz/performer Paula Lice se posiciona ao fundo do palco, sua presença se agiganta, olhar determinado no horizonte, dá uma saculejada, uns pulinhos e o desenho heróico anunciador do início se desfaz. Mais uma ação se seguirá criando a iminência de grandes gestos ou acontecimentos “importantes” e, como num continuum, irá se desfazer para dar lugar a uma outra. A performance, nesse sentido, é um convite para nos conduzir por saltos ou imagens que se desmancham como numa lousa.

Um desafio que parece despretensioso, pequeno, mas guarda uma pretensão poética sutil que tangencia a borda do risco de tornar tudo uma grande bobagem. Lembro da frase do músico experimental suíço-baiano Walter Smetak, “escrevo com lápis azul num céu azul”. A aposta no efêmero e transitório, nas idéias minúsculas, muitas vezes camufladas de momentos maiúsculos no trabalho, é um gesto corajoso e pretensioso que não pode estar inocente em relação às suas pretensões.

Os riscos de uma dramaturgia sustentada por um fio de cabelo, escolhida pela parceria artística Paula Lice e Gustavo Bitencourt, que dividem a direção do espetáculo, são muitos: acreditar que é um Midas: em tudo que toco vira ouro, por tanto tudo que faço é maravilhoso; acreditar em Roberto Carlos: pensar a platéia como um milhão de amigos, olhando tudo com afeto e generosidade; acreditar em Duendes: apostar tudo na magia e no mistério da sua própria imaginação; e por aí vai. Como o espetáculo joga improvisando, estamos sempre na beira desses precipícios.

Todos esses riscos passam pela postura da não aceitação da ingenuidade em cena, pois até o comentário crítico – dentro desse contexto de coisas mínimas – numa vacilação do tom de como for dito pode soar como comentário “inteligente” ou “desmascarador de verdades”. Isso atravessa alguns momentos, mas não é o que predomina no trabalho. Paula Lice é uma grande performer em cena, sustenta um jogo atento e irônico com a platéia fazendo com que acompanhemos a sua dispersão criativa com grande interesse.

Entre tantos alertas para Duendes, Midas, Roberto Carlos... (podia ser menos alertas, nera?) Espero poder acompanhar e rever mais vezes os prazerosos saltos de giz de Pogobol. Dentro do espírito das meninas do âncora do marujo, quero parabenizar mais uma vez a coragem e ousadia dessa equipe que enfrenta esses riscos toda trabalhada no salto, cabelo, cílio e figurino, tudo feito com um engajamento sério e competente. Convidar Gina de Mascar pro Pogobol como mais uma colaboradora ia ser muito bom, nera?


(Uma fruição crítica e pessoal de Léo França sobre POGOBOL)

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